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09/11/2025

De analfabeto a professor: a inspiradora trajetória de Francisco Feitoza, que iniciou os estudos nas escolas de Penápolis

Imagem/Arquivo pessoal De analfabeto a professor: a inspiradora trajetória de Francisco Feitoza, que iniciou os estudos nas escolas de Penápolis A permanência de Francisco Feitoza na escola só foi possível graças ao incentivo de professores que acreditaram em seu potencial

DA REPORTAGEM

Aos 81 anos, o professor Francisco Alves Feitoza guarda na memória um percurso de vida marcado pela força, curiosidade e gratidão. Nascido em 17 de março de 1944, no sertão de Alagoas, o menino que chegou a Penápolis sem saber ler nem escrever encontrou na cidade o ponto de virada de sua história. Foi ali que teve o primeiro contato com a escola, descobriu o poder transformador da educação e começou a trilhar o caminho que o levaria, anos mais tarde, a se tornar um dos professores mais respeitados de Brasília (DF).
“A cidade é minha”, costuma dizer, com o brilho de quem reconhece em Penápolis as raízes de toda a sua formação. Longe de ser um gesto de posse, a frase é um tributo à terra onde aprendeu a ler e a sonhar. “Antes de ser professor, a gente é aluno. Aliás, aluno a gente é sempre”, afirma Feitoza, refletindo o espírito inquieto que o acompanha desde a infância.

Infância marcada por desafios
Francisco viveu os primeiros anos no sertão alagoano. A seca prolongada e a morte do pai mudaram completamente o destino da família. Sua mãe, Lindaura Alves de Sá, juntou os 11 filhos e partiu para o Sudeste em busca de uma vida melhor. Após uma breve passagem pela capital paulista — justamente na época das comemorações dos 400 anos de São Paulo —, o destino os levou a Penápolis, onde o menino conheceria o ambiente escolar pela primeira vez.
“Cheguei analfabetíssimo”, costuma brincar, lembrando o impacto das primeiras letras. “Eu ficava encantado só de ler as placas das ruas. Era como um cego que via pela primeira vez.”

Os primeiros passos na escola
Em 1954, iniciou os estudos na Escola Estadual Augusto Pereira de Moraes, e logo se destacou pela curiosidade e pela dedicação. Posteriormente, cursou o ginasial na Escola Doutor Carlos Sampaio Filho, integrando a primeira turma noturna da unidade.
Mesmo com as dificuldades financeiras, não abandonou os estudos. Trabalhou desde cedo como carregador de malas e marmitas, entregador de jornais e ajudante em comércios locais. “Era preciso ajudar em casa, mas eu fazia de tudo pra continuar estudando”, relembra.
A permanência na escola só foi possível graças ao incentivo de professores que acreditaram em seu potencial. Ele faz questão de lembrar de cada um deles: Terezinha Faleiros, Diva Monteiro, Jaime Monteiro, Rute Viana, Maria Alves Viana, José Furlaneti de Nadai e professora Anésia.

A força do apoio e da comunidade
Entre os exemplos de generosidade que marcaram sua juventude, Feitoza recorda com carinho a família Yutaka, de origem japonesa, para quem trabalhou como entregador. “Eles me tratavam como da família. Foram pessoas que me deram conselhos e me mostraram que eu não devia desistir. Eu tinha obrigações, mas também sonhos”, diz.
O empenho foi recompensado quando conquistou uma das 50 vagas disponíveis no exame de admissão ao ginásio, disputado por cerca de 300 candidatos. O ingresso foi possível graças ao gesto solidário das professoras, que compraram o livro de estudos e se ofereceram para ajudá-lo a se preparar.
“Educar é conduzir. A palavra educar vem do latim ‘duco’, que quer dizer eu dirijo, eu não sou dirigido. O segredo está na palavra: abra a palavra, escancare a palavra, que lá dentro tem o saber”, costuma ensinar, reproduzindo a filosofia que o acompanhou desde os primeiros mestres.

Participação na vida penapolense
Durante a juventude, Feitoza não apenas estudou — também se envolveu com o desenvolvimento educacional da cidade. Participou ativamente da campanha de fundação da Funepe (Fundação Educacional de Penápolis), movimento que ampliou o acesso ao ensino superior na região. A vocação para o ensino já se mostrava clara.
Mesmo depois de se mudar, nunca se desligou completamente da cidade. Mantém familiares em Penápolis até hoje, entre eles sobrinhos que ajudou a criar e incentivar nos estudos. “Sempre que podia, eu mandava material escolar para eles. Queria que tivessem o mesmo incentivo que eu tive quando menino”, conta. O gesto simples resume o quanto o professor valoriza a educação como ferramenta de transformação, tanto na própria vida quanto na dos outros.

De Penápolis para Brasília
Em 1967, Francisco deixou Penápolis para prestar vestibular na recém-criada Universidade de Brasília (UnB), instituição que nascia com a missão de democratizar o acesso ao ensino superior. Foi aprovado no curso de Letras e, como ele mesmo define, encontrou ali um “paraíso escondido”.
“Tudo o que eu gostaria de ler, tudo o que eu gostaria de saber, tinha na biblioteca da UnB. Era uma maravilha”, recorda. Nos primeiros anos em Brasília, viveu no alojamento estudantil, mantido com ajuda de bolsa.
Durante o curso, teve como contemporâneos nomes que se tornariam conhecidos nacionalmente, como a jornalista e professora Dad Squarisi, e os irmãos Clodo, Climério e Clésio, que depois formariam o trio musical Clodo, Climério e Clésio — este último, inclusive, se tornaria compadre de Feitoza.

Uma vida dedicada ao ensino
Formado, iniciou a carreira como professor da rede pública do Distrito Federal, onde permaneceu por décadas. Lecionou também em renomados colégios particulares, ajudando a fundar escolas e a formar gerações de alunos que marcaram a vida cultural e intelectual de Brasília.
Entre seus ex-alunos estão nomes conhecidos como Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá — integrantes da banda Legião Urbana —, o diretor de cinema René Sampaio, o compositor Hamilton de Holanda, o neurocientista Sidarta Ribeiro, o poeta Nicolas Behr e as jornalistas Leilane Neubarth e Márcia Witzack, entre outros profissionais destacados em diversas áreas.
“Os alunos me aplaudiam muito. Eu falava a linguagem deles”, relembra, com humor e humildade. “Eu colei dos melhores professores que tive. Eles me ensinaram a amar Machado de Assis e Padre Antônio Vieira. Eu fiz a cola certa.”

Legado e reconhecimento
Ao longo da vida, Francisco Feitoza formou não apenas alunos, mas admiradores. Sua didática carismática e a paixão pelo conhecimento o transformaram em referência. Após um infarto há cerca de 18 anos, aposentou-se das salas de aula, mas segue inspirando quem o conheceu.
Hoje, desfruta da companhia das filhas Valéria, Laís e Maira e do neto Guilherme, nascido em 15 de outubro, Dia do Professor. “Foi o meu presente”, diz, orgulhoso.
Com serenidade e emoção, ele resume a lição que guiou toda a sua trajetória:
“Se político tivesse juízo, só investiria em educação. Eu nunca fui nada, sou um ex-retirante que chegou analfabeto a São Paulo. Tudo o que eu tenho é porque acreditaram em mim e me apoiaram. Educação é tudo”, finalizou o professor.

(Rafael Machi)


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